12/11/2009

Fechando um ciclo

É bem comum, além de claramente compreensível, que muitos de nós usem como flagrante da passagem dos anos o crescimento dos próprios filhos. Acompanhar cada etapa da evolução deles acaba nos fazendo relembrar os nossos próprios momentos.

Olhar para os meus indomáveis rebentos em suas lutas e descobertas de cada dia mexe bastante comigo. Óbvio que quase todo pai pode (e deve) dizer a mesma coisa, Mas no meu caso a diversidade de idades, especialmente entre a caçula e os dois mais velhos, torna tudo mais colorido e desafiador.

Mas do que eu realmente gostaria de falar hoje não tem a ver com eles (pelo menos não diretamente). Tem a ver com a minha própria infância e adolescência, e como a paixão pelo futebol me impregnou de modo definitivo.

O que desencadeou essa vontade de tocar no tema foi um acontecimento triste. No último dia 09 faleceu, aos 58 anos, Francisco Gomes de Sousa, o Chinesinho, vítima de complicações advindas de uma hepatite.

Quem não é aqui da terrinha, ou não acompanhou o futebol cearense dos anos 70, provavelmente nunca ouviu falar desse volante de futebol clássico e de um pulmão invejável. Quando eu falo volante, por favor não queiram visualizar essa enxurrada de brutamontes que povoou a cabeça-de-área do futebol mundial e brasileiro nos últimos 25 anos, especialmente após a derrota da seleção de 82. Chinesinho era daqueles marcadores que raramente apelava para as faltas. Ele antecipava as jogadas, tirando partido da velocidade.

Para mim, o ponto alto de Chinesinho coincidiu com o ápice de uma das melhores equipes que o Fortaleza já formou, aquela que conquistou o bicampeonato de 1973/1974. O técnico Moésio Gomes adotou um esquema que acabou batizado por Quadrado de Ouro, por utilizar no meio-de-campo 4 jogadores diferenciados: Chinesinho, Zé Carlos, Lucinho e Amilton Melo. Um volante tipo "carregador de piano" (Chinesinho), outro volante com excelente capacidade de sair jogando e chutar em gol (Zé Carlos), um meia muito habilidoso mas também rápido (Lucinho) e outro meia para o qual o adjetivo craque não era exagerado (Amilton Melo). Tudo isso servindo dois atacantes, que poderiam ser um centro-avante ágil (como Marciano), ou um tipo "rompedor" (como Beijoca), ou ainda dois do tipo veloz (como Geraldino ou Haroldo).

Chinesinho era o último remanescente vivo daquele meio-de-campo. Todos os outros faleceram relativamente jovens.

Eu sei. Para muitos de vocês que não são fãs de futebol esse texto deve estar parecendo algo como um tratado arqueológico sobre as primeiras povoações humanas no Himalaia do Leste (desafio alguém a matar de onde tirei isso...). Um pouco de paciência, por favor, pois neste caso o futebol é apenas um meio, não um fim.

Voltando a aquela equipe de 73/74, ela me pegou bem na pré-adolescência. Eu já torcia pelo Fortaleza desde bem pequeno, mas até ali nunca havia sentido uma emoção daquele tipo que deixa marcas. O título de 73 foi gostoso, mas nada comparável ao que aconteceu em 1974.

Para ser sucinto: o grande rival venceu o 1º turno e foi para o último jogo do 2º turno jogando pelo empate. Ou seja, o bicampeonato transformou-se em algo quase inatingível.

Quase. Porque o Fortaleza venceu 3 vezes em sequência (4x0, 1X0 e 3X1), tudo no espaço de uma semana.

Imaginem agora o efeito que algo assim teve sobre aquele garoto gordinho, baixinho, de fala rápida, introspectivo e, como até hoje, passional. É daquelas coisas que ajudam a moldar que tipo de pessoa você será, e que ensina que o impossível quase nunca é tão impossível assim.

Além de ser o tipo de coisa que ajuda a apreciar aqueles momentos em que o filho homem está junto comigo, no sofá de casa, torcendo alucinadamente frente à televisão, às vezes varando a madrugada.

Para encerrar, dói um pouco escrever sobre isso nas vésperas de um possível (e provável) rebaixamento para a Série C.


2 comentários:

Anrafel disse...

Os volantes daquela época oscilavam entre os que cultivavam o estilo refinado, que aliava os desarmes e a proteção à defesa com visão de jogo e bons passes, tipo Chinesinho, Clodoaldo, Wilson Piazza e outros, e aqueles que, não sendo pernas-de-pau em hipótese alguma, tinham no preparo físico e na vontade a base do seu futebol, que não incluía a precisão nos passes mais ou menos longos, nem os arremates a gol, e aí eu incluiria o baiano Baiaco, Denilson, do meu Fluminense, Dudu, etc.

Givanildo, já possuía um pouco mais de movimentação e chegava ao ataque, não era um estilista, mas também não era do time dos apenas 'cabeças-de-área'. Era um projeto de mix, que seria realizado em Cerezzo e, hoje, em Ernandes.

(Estou plenamente ciente da precariedade dessas comparações).

Os do segundo tipo, jogadores duros, brigadores, mas leais, se viram sobrepujados por uma filosofia e prática de jogo representadas pelo homicida Chicão. Coutinho o convocou para a Seleção.

No mais, grande análise e lembrança familiar-afetiva-futebolística. E bom descanso ao Chinesinho, que se foi tão cedo.

Luiz disse...

Anrafel,

Um cruel detalhe que esqueci: Dos outros três membros do Quadrado de Ouro, um morreu de cãncer, outro de uma doença fulminante e desconhecida e o terceiro suicidou-se após enfrentar problemas de depressão e alcoolismo.